terça-feira, 3 de julho de 2007

Falta-nos uma terceira via




São sempre deliciosas as crónicas do João Miguel Tavares, publicadas no DN. Que sorte para um jornal ter um jovem jornalista, assim, cheio de talento.
Como estou sem tempo para escrever e ando numa daquelas fases em que devia de andar sempre de agulha e linha para "coser" a boca, aqui fica o registo da crónica desta 3ª feira:
"Tenho andado para aqui a matutar: porquê? Porquê esta sucessão de casos em que o Governo aparece travestido de carrasco da liberdade de expressão, a chicotear o lombo a quem se atreve a pecar contra essa extraordinária coisa a que chama devotamente "autoridade do Estado". Um professor larga uma piadola sobre o primeiro-ministro? Corra-se com o professor. Um blogue mais mexido anda a levantar dúvidas sobre o impoluto currículo de Sócrates? Enfie-se o autor do blogue em tribunal. Um médico coloca uma fotocópia comentada nas paredes de um serviço de saúde? Pontapé na directora, que não arrancou o papel à velocidade que se exigia. A rapaziada que manda no País anda com os nervos à flor da pele. Por este andar, qualquer dia vai ser preciso bater a continência cada vez que passarmos em frente a São Bento.

Matutemos em conjunto: porquê? É que, convenhamos, tudo isto é um bocado burro. O que se ganha em meter funcionários públicos e cidadãos anónimos "na ordem" não compensa minimamente o desgaste que tal provoca na popularidade do Governo. Entre as próprias fileiras do PS há sempre um Manuel Alegre que não perde a ocasião para recordar os tempos de Caixas e sublinhar que "a esquerda" não pode fazer destas coisas. Então, porque é que os ministros se deixam enredar em questiúnculas da treta, que só servem para se queimarem? A minha tese é esta: eu diria que é assim porque eles não conseguem que seja de outra forma - bramir o pingalim é uma espécie de segunda natureza dos governos reformistas em Portugal.

Estranhamente, aqui na terriola não se consegue ter o melhor de dois mundos. Ou se tem governos panhonhas que não se mexem (género Guterres ou Durão), ou se tem governos esforçados, com vontade de mudança, mas que depois acham que toda a gente tem de dobrar a espinha ao seu extraordinário esforço patriótico (género Cavaco ou Sócrates). Uns não fazem nem chateiam; os outros fazem e por isso acreditam sinceramente que lhes devemos estar muito agradecidos por isso. Isto não é falta de cultura democrática - é mesmo falta de cultura de competência. O primeiro-ministro, a ministra da Educação ou o ministro da Saúde acham, à sua maneira, que são special ones - ou, pelo menos, que fazem parte de um special governo, que está finalmente a pôr o País na ordem. E, por isso, não acham graça nenhuma às pequenas rebeldias de indígenas ingratos. Aqui, sim, falta-nos uma terceira via: sermos um dia governados por gente que perceba que reformar é o seu trabalho natural, e que ao mesmo tempo possa ouvir uma crítica sem de imediato soltar os cães. Um dia. Quem sabe um dia".

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