segunda-feira, 5 de novembro de 2007

Manuel Maurício dos Reis





Olá amigo,
Estou a imaginar que a tua chegada ao sítio onde estás agora, terá sido igual às que fazias por cá: “Olá gente boa!”. Certamente já encontraste o Dr. Bandos, o sr. Moura e o Eduardo Campos e estás a pôr a conversa em dia. Será que aí também há horas e dias? Espero que haja algo que se assemelhe a um microfone: “São mais de 15 mil”, ou a uma máquina digital para registares todos os momentos, como fazias por cá.
Não vou falar bem de ti. Já sabes que não alinho nessas merdas hipócritas. Vou falar de ti e pronto. Como eras, como te via, como reagias, como sentias, sem recorrer àquelas tretas fúteis, próprias destes momentos. Tu já sabes como é que eu sou:”esta gaja tá sempre a dar-lhe”.
Não chegaste a conhecer o meu Blog, pois não? Sei lá! Nunca comentámos sobre isso: “Então miga, novidades?”.
Olho a máquina do tempo e tu, Manel, estiveste sempre lá. Como vizinho, colega e amigo.
Conheci-te desde sempre, ou quase. Tenho poucas memórias da infância, mas lembro-me muito bem que quando os meus pais chegaram ao Rossio, tinha eu pouco mais de seis anos, foste das primeiras pessoas que conheci. Na mesma rua, numa porta a poucos metros. Tinhas mais quatro anos do que eu. Lembro-me das camisolas de gola de alta que vestias no Inverno, do cabelo muito preto. Sempre de risco ao lado. Eras o Manel da Olímpia.
Não partilhámos a mesma carteira, mas corremos e saltamos no mesmo pátio da escola, numa altura em que as raparigas não davam muita “trela” aos rapazes, porque a época e os costumes não deixavam.
Não andámos juntos na catequese mas divertíamo-nos à brava nas noites de Verão, no Jardim do Bairro da Igreja, quando nos juntávamos ao grupo dos mais velhos.
Depois crescemos. É a lei. Tornámo-nos adolescentes e crescemos juntos no Rossio das cheias, das festas no ringue, do hóquei em patins, da carrinha da Biblioteca (onde íamos buscar os livros), da loja da menina Emília (onde comprávamos as pastilhas e os cromos) e da loja do sr. Jorge. Saia à rua e tu estavas sempre lá. Eras o “Serrote”.
Nessa altura, já tu te interessavas por temas que eu ainda não percebia muito bem:
-“Viram para aí o Manel?”
- “Vem mais tarde. Foi para um comício do PS”. O partido de que tanto te orgulhavas, incondicionalmente, e ao qual te dedicaste, desinteressadamente.
Aparecias tarde mas vinhas sempre à matiné que organizávamos na casa da D. Marieta, com a Isabel, a Guida, o João, a Lena, o João Miguel…
Ficava sempre à espera que me escolhesses a mim para dançar. Nas matinés, nas festas, nas discotecas. Dançavas como ninguém. E acertávamos sempre o passo!
Anos depois veio a magia da rádio, na Antena Livre. Acho que chegaste tu primeiro, pela mão e pelo talento do Colaço. Era um gosto ouvir-te: “ Então oh vizinha, tá a gostar?”. As emissões da madrugada, com o João Paulo Santos, os debates e as coberturas das autárquicas, as polémicas assembleias municipais do tempo do Drº Humberto, as cheias, os incêndios, os directos das feiras e das festas. Tu estavas sempre lá. Empenhado e desinteressado.
Na década de 90 era costume encontrarmo-nos à noite no “Chave D’ Ouro”. Tu com o teu grupo, eu com o meu. Muitas vezes em grupos comuns. Era lá que discutíamos os temas da actualidade, comentávamos as manchetes do jornal, cortávamos na casaca, mas não me lembro de te ouvir falar da vida particular dos outros. Até nisso eras exímio. Por lá ficávamos até de madrugada. Ás vezes ficava à tua espera. Eras uma matreca, falavas, falavas: “Vamos embora Manel”. Eu era a tua boleia. Que raio Manel, nunca tiraste a carta. E lá vínhamos nós até ao Rossio, sempre na converseta. Ás vezes combinávamos coisas comuns para o dia seguinte. Outras vezes, quando já íamos de rastos, deixava-te à porta e ligava-te a seguir para saber se tinhas chegado bem. Outras vezes eras tu quem ligava. Foi assim, anos a fio.
Quando em 2001 cheguei à Câmara de Abrantes, lá estavas tu no gabinete de apoio às freguesias: “amigo, passa-me aí um contacto”, “Oh lindo diz-me o ponto de situação desta obra”. Eu sempre fui uma melga e tu nunca me recusaste apoio.
Depois, veio futebol. O AFC era o teu orgulho. Não havia fronteiras para divulgares o nome do teu clube e era com brio que sempre te referias aos teus meninos. Ao Sábado, ou ao Domingo, lá estava o Manel. Eras o speaker de serviço, fazias o sorteio dos presuntos das sapatilhas ou das bolas, recebias as quotas, angariavas novos sócios, eras relações públicas e, se fosse preciso, chutavas para canto. Quando não estavas, havia sempre quem perguntasse “Então o Manel?”.
Costumavas dizer que não percebias nada de futebol, mas gostavas de emoções. Tu eras um emotivo (no dia a mulher nunca te esquecias de brindar as colegas com um fax, e-mail, sms). E quando a coisa não corria de feição juntavas-te ao coro dos protestos: “ó sr. Árbitro é preciso uns óculos?”.
A universidade da vida licenciou-te num comunicador exemplar. Não perdias pitada da actualidade. Eras quase sempre o primeiro a dar notícia: “amiga, já viste hoje o Correio da Manhã? Trás uma notícia sobre Abrantes”. A Comunicação Social respeitava-te. Espero que todos soubessem que era mútuo.
A juventude era o teu máximo. Os jovens adoravam-te. A malta da ESTA esteve lá na hora da tua partida, como sempre esteve porque tu estavas com eles por onde quer que andassem.
Foste um cidadão empenhado, critico, quando necessário, e solidário.
Eras um homem sem idade. Sei lá! Conheci-te sempre assim, tal como partiste. Tinhas vaidade na forma como te apresentavas e tudo te assentava bem. A gabardina e a samarra de Inverno. Os fatos completos de todo o ano. As gravatas escolhidas a dedo.
Amavas a tua Abrantes “uma cidade, um concelho, sempre a vencer”. O teu Rossio e o Tejo.
Sabes amigo, já passaram uns dias. Quando o telefone toca, já não és tu do outro lado. Quando nos juntamos na hora da bica no “Pirata”, faltas tu.
Ainda era cedo para ires.
Queríamos ir buscar-te, mas não podemos.
Mas há uma coisa que podemos: não esquecer-te!
Um beijinho, migo.
Será sempre um até breve.

“Que nenhuma estrela queime o teu perfil
Que nenhum deus se lembre do teu nome
Que nem o vento passe onde tu passas.
Para ti criarei um dia puro
Livre como o vento e repetido
Como o florir das ondas ordenadas.” Sophia de Mello Breyner Andresen

2 comentários:

Anônimo disse...

Parabéns miga, está lindo.

"Até sempre lindinho e faz o favor de ser feliz"

António Almeida disse...

e a vida tem de continuar...