segunda-feira, 4 de fevereiro de 2008

Jornalismo de ASAE e Watergate com migas




Mário Crespo é um nome do jornalismo de referência. Pronuncie-se quem achar o contrário.
Por me rever inteiramente no artigo de opinião que assina hoje no “Jornal de Notícias”, vou reproduzir aqui um excerto.
Faço-o com respeito, também, pelo José António Cerejo, um dos poucos Jornalistas a fazer verdadeiro jornalismo de investigação em Portugal.
O amigo Cerejo não faz mais do que procurar dados no acesso aos documentos públicos. E vai ás fontes, pois claro! E não dá bola aos gargantas fundas, pois concerteza!
Para mim, a questão não está na matéria, está na oportunidade da publicação. Para um trabalho que estava concluído em Outubro de 2007, ser publicado 4 meses depois…logo a seguir à remodelaçãozita….pois… e a seguir vêm os 300 despachos assinados à pressa por Telmo Correia…Ah, pois!
“Há qualquer coisa que me deixa muito inquieto quando leio mais este folhetim sobre o passado de José Sócrates. Folhetim é um termo com cargas. Eu uso-o em escolha consciente porque os episódios desse passado têm vindo um a um, em sessões servidas pela manhã num verdadeiro reality show que depois é amplificado pelo dia fora em compactos e digests servidos multimédia entre sussurros de que "ainda vem aí pior". Neste último folhetim o guião inspira-se no Portugal do princípio dos anos 80. O Engenheiro José Sócrates (desta vez não há dúvidas sobre o título académico) era funcionário de uma câmara e o seu pecado era, como o de quase todos os outros portugueses na altura, ter mais de um emprego no esgravatar geral por um Escudo a mais nas sempre magras tabelas do funcionalismo público. Pelo que li, José Sócrates trabalhava na Câmara e fazia projectos para fora numa área onde não havia qualquer incompatibilidade funcional. Estes múltiplos empregos eram norma em Portugal quando cá cheguei(…) nos anos oitenta este era um país muito diferente. O que era legítimo e aceitável fazer-se na altura seria impensável hoje. Por isto acho imoral estar-se a fazer juízos em 2008 e a procurar consequências políticas de comportamentos absolutamente generalizados há um quarto de século. Tanto mais que, pelo que li até agora, esses comportamentos não configuraram qualquer espécie de ilícito criminal. Eram tempos diferentes com leis diferentes e práticas diferentes. Na altura os engenheiros podiam dar o seu aval técnico a aspectos estéticos que hoje são (e bem) da competência da arquitectura. Parece-me importante destacar aqui que, bons ou maus, se os projectos estavam assinados pelo Engenheiro Sócrates, eram responsabilidade final dele, logo, eram dele. Qualquer outra conclusão ou é sofisma, ou demagogia, ou outras coisas. Na altura era prática corrente a obra ser feita de raiz por apenas um técnico academicamente credenciado. José Sócrates tinha essas credenciais. Também não deixa de ser irónico que tenham sido levantadas questões de "carácter" sobre José Sócrates por um desastrado upgrade académico numa universidade que caiu em descrédito e que agora as questões de "carácter" sejam levantadas pelo exercício da profissão para a qual ele está, afinal de contas, academicamente credenciado, o que já ninguém disputa. A estética das obras, essa era (e ainda é) a estética do Portugal rural. Não vamos crucificar um técnico por um mal nacional. Claro que é engraçado este jornalismo de ASAE numa eterna busca de um Watergate com migas à moda da Guarda. É engraçado mas não tem piada. Por tudo isto começam a repugnar-me estes autos de fé ruidosos, deslocados no tempo, cruéis e sobretudo inconsequentes. A inconsequência advém de não haver ilegalidades. A ser uma questão de "carácter" perdida no tempo, só servirá para as eleições. Não é um bocadinho cedo para isso?”Mário Crespo, Jornalista.

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